Ganhadores dos prêmios Pulitzer, Esso e Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) contaram os bastidores de suas investigações na mesa “Investigaciones Premiadas”, realizada na PUC-Rio, neste domingo (13), segundo dia da Conferência Global de Jornalismo Investigativo.
Em comum, todas as reportagens trabalharam com uma grande quantidade de dados técnicos e oficiais das instituições investigadas, o que significou uma tarefa extra de tradução e cruzamento das informações, além do uso da Lei de Acesso à Informação (LAI) para obter documentos sigilosos e estratégicos.
O trabalho independente da jornalista mexicana Alejandra Xanic von Bertrab permitiu que ela desenvolvesse uma expertise no uso da LAI daquele país. Durante 18 meses, ela e o repórter do jornal The New York Times, David Barstow, ganhadores do Pulitzer deste ano na categoria “jornalismo investigativo”, recorreram mais de 800 vezes a repartições públicas federais, estaduais e municipais. “Essa história só foi possível graças à lei de transparência no México”, afirmou von Bertrab ao Knight Center for Journalism in the Americas.
No México, o Wal-Mart queria colocar uma loja próxima às pirâmides de Teotihuacán, que é um centro da cultura mexicana e um sítio arqueológico importante. A “Cidade dos Deuses”, como os astecas a chamavam, cresceu ao redor de um grande templo e duas pirâmides, o Sol e a Lua. Para tornar a cidade um local atrativo para os turistas, o governo decidiu limitar o desenvolvimento na área.
“É muito difícil de construir na região porque precisa de muitas licenças. Então foram feitos quatro ou cinco subornos diferentes para autorizar a construção”, resume a mexicana.
Apesar de cansativo e tedioso, o trabalho de ler cuidadosamente as leis do país para se instalar uma nova loja e linha por linha de cada documento, inclusive as letras pequenas para detectar qualquer anomalia, foi muito importante para a jornalista entender o caminho que deveria ter sido seguido e analisar o que o Wal-Mart fez de errado na cidade.
“Descobrimos que o zoneamento da cidade foi alterado para que a área se tornasse comercial”, disse Alexandra, que, para comprovar essa denúncia, precisava encontrar o mapa que mostrasse o zoneamento original. “O mapa tinha sumido. Pedimos pela Lei de Acesso durante muito tempo, mas ninguém sabia onde estava. Então o David deu a ideia de pedir rascunhos, plantas, HDs da época em que a alteração tinha sido feita.”
No final, a persistência valeu a pena. “Conseguimos um HD guardado em um caixa de sapatos onde estava a versão vigente do mapa na véspera da votação”.
Assim, os repórteres conseguiram provar que um funcionário havia recebido US$ 52 mil para alterá-lo, passando por cima do trabalho de técnicos e das discussões da população.
Política e futebol
Em fevereiro de 2012, o projeto Folha Transparência publicou uma extensa reportagem que escancarou a lentidão propositada da justiça brasileira em investigar os deputados acusados em inquéritos e processos abertos no Supremo Tribunal Federal.
Sob o comando do jornalista Rubens Valente, junto com os repórteres Fernando Mello e Felipe Sigman, o extenso trabalho intitulado “A engrenagem da impunidade” analisou 258 processos em quatro meses e levou a edição 2012 do SIP, na categoria “jornalismo em profundidade”.
Os processos envolviam 166 políticos, que só podem ser investigados e processados no Supremo, um privilégio garantido pela Constituição da época da ditadura ao presidente da República e seu vice, a deputados federais, senadores e outras autoridades.
Rubens Valente explicou que o método de investigação se constituiu em criar uma pasta com os processos relativos aos parlamentares. Depois disso, cada deputado acusado ganhou uma ficha que indicava a situação dele: se ele tinha sido condenado ou absolvido, quais outras acusações ainda poderiam recair sobre eles e o andamento do processo. Tudo ficou guardado em um documento do Excel onde os jornalistas podiam trabalhar e cruzar as informações com rapidez e eficiência.
“O deputado comanda a ordem das ações”, criticou Valente durante o debate. De acordo com ele, o STF demorou seis meses para decidir se um senador seria processado e a Polícia Federal sempre deixou os processos de políticos em segundo plano, alegando urgência nos casos de narcotráfico.
O senso comum sugere que esse tipo de coisa acontece porque os políticos têm condições de pagar bons advogados para defendê-los na Justiça. Na verdade, o problema, de acordo com Valente, é que nenhum dos 11 ministros do Supremo conhecem bem a estrutura do crime organizado.
“Durante a investigação, vimos a absoluta incompetência dos ministros em julgar casos como esses. Nenhum deles têm experiência ou estudo específico nessa área, e muitas vezes eles são enrolados pelos defensores dos reús devido à grande quantidade de informações dos processos.”
O resultado desse trabalho trouxe mais celeridade ao judiciário, mas apenas um parlamentar foi preso (o primeiro na história do Congresso Nacional): deputado Natan Donadon (sem partido-RO).
Outro que escapou de uma condenação foi o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, após uma série de reportagens dos jornalistas Filipe Coutinho, Julio Wiziack, Leandro Colon, Rodrigo Mattos e Sérgio Rangel, que mostraram os esquemas de corrupção do cartola.
A série de reportagens conhecida como “O jogo suspeito e a queda de Ricardo Teixeira”, publicadas entre fevereiro e outubro do ano passado recebeu o grande Prêmio Esso de 2012 – desde 1968 uma reportagem publicada na editoria de esporte não ganhavam o prêmio.
“Frequento a CBF há 16 anos e o Ricardo Teixeira sempre me evitou”, contou o jornalista Sérgio Rangel, que conseguiu, através de outras fontes, mapear o caminho do dinheiro desviado pelos negócios de Teixeira. “Pelos documentos apreendidos pela polícia, e com as confirmações de dirigentes ‘quentes’ da CBF, verificamos que o cartola recebeu mais de R$705 mil reais de sócios da empresa Ailanto Marketing, contratada para realizar um jogo amistoso em 2008 em Brasília entre Brasil e Portugal”.
A primeira revelação acendeu o alerta dos órgãos de fiscalização públicos. A Receita Federal identificou uma suspeita de evasão de divisas para paraísos fiscais estrangeiros. Depois da primeira revelação, o jornal mostrou que o cartola estava se preparando para sair do país, ao abrir a empresa Kronos Capital Investiments que tinha a sua mulher como sócio. “A essa altura, Teixeira tinha medo de ter o seu passaporte apreendido quando tentasse deixar o país”, disse Rangel.
Com a sequência das denúncias, Teixeira perdeu a presidência da entidade máxima do futebol brasileiro. Apesar disso, 20 dias depois do início das investigações, o cartola estava morando em um condomínio de luxo em Miami.
Para os jornalistas vencedores, o papel de um profissional da comunicação é tornar todo tipo de corrupção e impunidade visível, trazer esse debate para o conhecimento do público. Investigar informações oficiais requer cuidado e certeza sobre os dados abordados.
“Para fazer boas reportagens investigativas é preciso ter uma relação de ampla confiabilidade nas suas fontes, cativá-las e saber preservá-las”, ensina Alejandra, a ganhadora do Pulitzer. “Precisamos ter cuidado com os conflitos de interesse que se escancaram nas múltiplas relações de poder”, afirma Sérgio Rangel.
Texto: Giulia Afiune (4º ano, Faculdade Cásper Líbero) e Ricardo Rossetto (3º ano, Faculdade Cásper Líbero)
Serviço:
Investigações premiadas
Com Rubens Valente (Folha de S. Paulo/Brasil), Alexandra Xanic von Bertrab (Freelancer/México) e Sério Rangel (Folha de S. Paulo/Brasil) – moderador: Augusto Álvarez Rodrichl/YPYS Peru)
Domingo, 13 de outubro de 2013 – 09:00