Os desafios do acesso a informações históricas

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Matheus Leitão e Rubens Valente, jornalistas da sucursal da Folha de S. Paulo em Brasília, foram responsáveis pela publicação de uma série de reportagens que trouxe à tona arquivos confidenciais da ditadura militar brasileira.

Na entrevista a seguir, feita após a mesa “Arquivos ocultos da ditadura” da Conferência Global de Jornalismo Investigativo, eles explicam o processo de apuração deste trabalho, que ganhou menção honrosa na categoria Jornal do prêmio Vladimir Herzog, e os obstáculos que enfrentaram para ter acesso aos arquivos históricos.

Ivana Moreira (Veja – BH), Rubens Valente e Matheus Leitão (Folha de S. Paulo – Brasília)

O jornalista é um mediador. Você citou que é importante transformar assuntos densos em algo mais didático. O que é essencial para um jovem jornalista amadurecer quanto a isso?

Rubens: Eu acho que a pesquisa de caráter histórico demanda um debate antes do início da matéria, para que o repórter descubra onde agir, senão ele se perde. É um oceano de informação. Há muitos temas em jogo. Ele precisa focar. Centrar o foco e discutir previamente com gente da área, com historiadores, para que perceba onde estão os buracos da história. Ele tem que buscar onde a história não fecha.

Matheus: Eu diria que é talento mesmo. Tem uma geração que está saindo agora da universidade que é de outro mundo, eles vão saber trazer essa informação de uma forma nova, informações visuais junto com o texto. Eu sempre falo aquilo do “clique”. O “clique” é quando você tá falando com uma fonte em off e sai alguma coisa que faz você pensar: “ é isso que eu preciso saber”, porque aquela é a informação . É o talento de saber filtrar na entrevista aquilo que é o mais importante.

As reportagens sobre os documentos da ditadura fizeram com que o governo tornasse esses documentos públicos. Orientar positivamente as ações do Estado, esse é um papel do jornalismo?

Rubens: É lamentável que chegue ao ponto que chegou. A gente espera que o Estado democratize a informação, mas infelizmente, em alguns casos, a imprensa tem que fazer esse trabalho de cobrança.  Eu não gostaria de fazer esse trabalho. Mas a insistência do governo em não reconhecer o acesso à informação leva a essa situação. Eu gostaria que não fosse regra.

Matheus: Sim, com certeza. Essa matéria deu um exemplo claro de que o jornalismo tem esse viés, de trazer a público essas informações sigilosas. A gente até discutiu isso enquanto fazíamos a reportagem, como o governo iria reagir. A gente sabia que o governo ia reagir, mas não tão rápido. A gente divulgou a matéria, e eles soltaram uma portaria para liberar a documentação. Hoje, esses documentos estão sob a Guarda Nacional. Eu e você podemos ter acesso.

Os seus furos, as suas descobertas, estão mais relacionadas a informações que vocês recebem de fontes ou a investigação rotineira?

Rubens: É misturado. Muitas fontes humanas, muitas dicas. O contato com a fonte humana continua essencial. O computador tem que ser o meio de chegada ou de partida, mas não o único meio. Muitos pedidos [de informação] que a gente fez por computador partiu de dicas que recebemos de pessoas. Esse contato, o jornalismo não pode perder: conhecer as pessoas, estar com as pessoas na rua, isso não mudou. O maior caso é o agente da CIA [Edward Snowden] que detinha segredos e resolveu revelar. É o maior exemplo de que o maior foco de uma investigação é uma pessoa, e não uma máquina.

Matheus: Depende. No caso do vídeo do ex-governador Arruda, que eu consegui ter acesso antes e publiquei em primeira mão, eu fiquei um ano atrás. Eu sabia da existência dele. Eu lembro que na história dos passaportes diplomáticos dos filhos e netos do ex-presidente Lula foi feita uma denúncia no jornal, endereçada a mim, de que três dias antes do fim do governo, tinham sido concedidos benefícios para esses parentes. Aí, eu fui atrás do Itamaraty para saber por que eles tinham conseguido aqueles passaportes e o Ministério Público considerou que foi feito de forma irregular e cassou os documentos.

Quais são os desafios de cobrir política? Estar em Brasília altera o quê?

Rubens: Quanto a essa questão documental, ajuda. Brasília concentra esses arquivos e tem também uma memória dos seus antigos servidores que é fascinante. O acesso é mais próximo. Os órgãos são mais próximos. Hoje, [o desafio] é procurar locais, pessoas, temas que ninguém procura. É sair do efeito manada. Você pode ligar o efeito automático e falar do dia a dia de Brasília. Eu indico a um jovem repórter que cubra o que ninguém tá cobrindo, que ele vá aonde ninguém esteja indo. É inverter essa lógica.

Matheus: Brasília é um manancial de pautas. Até por ser o centro do poder político, a gente tem acesso à muita informação importante para a sociedade brasileira. Acho que todo repórter que gosta da área de política e investigação deveria considerar passar um tempo lá.

Hoje, os militares ainda tem um status social forçado, principalmente, pela inscrição obrigatória no serviço militar. Isso atrapalha, mesmo com a Comissão da Verdade, o acesso dos jornalistas ao que os militares fizeram e ao que o Ministério da Defesa faz?

Rubens: Há muitos jovens militares que têm outra cabeça, uma cabeça mais técnica, que encaram as forças armadas como uma carreira, mas ainda é insuficiente para acabar com esse fantasma herdado. Então, na verdade, há hoje um atrito entre as gerações nova e antiga, esta ainda em vários postos de comando. Os jovens ainda não chegaram lá, o que marca a carreira é o tempo de serviço. Não há atalhos.

Matheus: Parece que o Brasil ainda não resolveu esse problema. Eles ainda ensinam em colégios militares que a ditadura foi uma revolução. Ela tem nome: ditadura. E foi um regime militar. Eu não vejo isso em todos os militares, muitos estão dispostos a ajudar. A gente sempre se depara com situações em que eles estão querendo guardar as informações, esconder. Isso é uma coisa que tinha que ser mais discutida. O Brasil fez uma escolha. Os nossos países vizinhos fizeram outra: eles resolveram investigar, punir. A nossa escolha é mal resolvida porque a gente não tem acesso às informações. Existem pessoas desaparecidas sobre as quais a gente poderia obter informações em documentos que eu tenho a certeza que existem.

Durante essa investigação sobre a ditadura vocês ouviram de alguém “deixa isso para lá, isso já passou”?

Rubens: A gente ouviu de vários militares da antiga. Eles dizem basicamente isso. Principalmente o Nilton Cruz, que mora aqui no Rio. Mas, o que eles dizem a gente não leva muito a sério, por esse ponto de vista.

Matheus: As pessoas que eram responsáveis por guardar documentos perguntavam: “mas por que você está tão interessado?” A gente encontra pessoas que, não sei por que, ainda tem o comportamento de evitar que a informação seja tornada pública.

Texto e entrevista: Louise Rodrigues (4º ano, ECO/UFRJ e Victor Sena, 3º ano, Rural)

Serviço:

Arquivos ocultos da ditadura

Com Matheus Leitão (Folha de S.Paulo), Rubens Valente (Folha de S.Paulo) – Moderadora: Ivana Moreira (Veja BH)

Domingo, 13 de outubro de 2013 – 16:00

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