O Vaticano tem sido destaque em jornais do mundo todo por conta de publicações constantes de reportagens sobre escândalos envolvendo pedofilia, corrupção e relações suspeitas com o poder.
O choque da renúncia do papa conservador alemão Bento XVI e a surpresa diante da postura simpática e diplomática do papa Francisco, um jesuíta argentino, alimentaram as esperanças de mudanças no mundo clerical. Mas quais as possibilidade reais de um só homem realizar rupturas profundas no Vaticano?
De acordo com Clovis Rossi, jornalista que cobriu a sucessão de Bento XVI para a Folha de S.Paulo, o momento ainda é de reflexão. Segundo ele, diante de muita euforia e pouca concentricidade, ainda há muito que se saber e esclarecer sobre o “Chico Buarque de Holanda universal”, como chegou a se referir ao papa Francisco Gregorio.
Membro da mesa “Cobertura do Vaticano: um novo papa, uma nova Sé?”, realizada na PUC-Rio, neste domingo (13), durante a Conferência Global de Jornalismo Investigativo, Rossi não acredita numa mudança pragmática sem que fique esclarecida o papel do Papa na ditadura militar argentina.
“Enquanto não se fizer uma investigação profunda sobre o papel da igreja argentina na ditadura e a sua postura com relação a algumas acusações, como a de ter ou não dado sinal para prender dois jesuítas, é impossível discutir a criação de uma nova Sé. Silêncio diante da barbárie é crime. Se isso ficar comprovado, Gregorio pecou, e então não houve tanta mudança quanto especulam. Eu, como bom católico, prefiro esperar”, diz o repórter especial da Folha.
O outro participante da mesa, Juan Arias, correspondente do El País no Vaticano por mais de 30 anos, aposta na inocência do pontífice.”Bergoglio era muito jovem, preferiu a política do não enfrentamento, da diplomacia”, explicou.
Arias confessou não acreditar em mudanças que mexam com os dogmas da Igreja, como o aborto e a homossexualidade. “O celibato, porém, não é dogma. Deve haver bastante diálogo, mas acredito que em algum momento caia. Deve começar com a nomeação de alguns já casados, que já trabalham na pastoral. Na mesma linha, deve seguir a negociação sobre a nomeação de divorciados.”
Com a experiência de ter conhecido sete papas, Juan fez questão de ressaltar que a situação de Francisco dentro do Vaticano é delicada. “Ele não tem postura de papa, de um chefe de estado, não lembra a figura de um imperador internamente”.
De acordo com Arias, a nomeação de Francisco foi uma surpresa. “Ele foi eleito pela periferia do clero”, afirmou. “A Igreja estava passando pelo seu pior momento na história em séculos. Havia necessidade de voltar às origens, de uma mudança radical para tentar limpar um pouco da sua imagem. Era necessário, e por isto foi eleito.”
Mudança esta que pretende mexer com alguns hábitos históricos do clero. “Toda esta movimentação é muito bonita, ele prega que preferencialmente a igreja deve estar com a periferia, com os que sofrem, e eu concordo. Senão não é igreja, é outra coisa. Mas a verdade é que ele vem da periferia do clero, as mudanças prometidas e expectativas alimentadas envolvem mudanças no alto escalão, quebra de ligação com o poder. Eu só espero que não matem ele”, confessa Juan Arias.
Falta de profissionais e recursos
Para Marcelo Beraba, editor do jornal Estado de S.Paulo, mediador da mesa, faltam recursos nas redações direcionados a cobertura exclusiva do Vaticano e outras questões religiosas, assim como profissionais capacitados para este fim.
“Ainda estamos tentando achar uma solução para a sustentabilidade da prática do jornalismo impresso no geral. O modelo de grandes publicidades não é mais suficiente. Coberturas específicas assim só são de fato possíveis com a presença de correspondentes e para isto é preciso dinheiro, algo que a imprensa de papel não tem no momento”, afirma Beraba.
“O Vaticano é um mundo secreto”, ressaltou Rossi, “há coisas que só saberemos no dia em que entrevistarmos o Espírito Santo”, brincou, em alusão à experiencia da cobertura do último conclave, quando cobriu a renúncia de Bento XVI para a Folha de S. Paulo.
Texto: Luana Severiano (4º ano, ECO/UFRJ)
Foto: Rodrigo Gomes (4º ano, Anhembi Morumbi)
Serviço:
Cobertura do Vaticano: um novo papa, uma nova Sé?
Com Juan Arias (El País) e Clovis Rossi (Folha de S. Paulo) – mediação de Marcelo Beraba (O Estado de S. Paulo)
Domingo, 13 de outubro de 2013 – 11:00