O jornalismo a serviço do interesse público

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Ele é conhecido como o repórter sem rosto, mas seu trabalho é fazer cair a máscara de criminosos. É impossível não associar a figura de Anas Aremeyaw Anas, prestigiado jornalista investigativo de Gana,  a de justiceiros cuja identidade é mantida em segredo nas populares histórias em quadrinho de super-heróis.

Embora não seja dotado de nenhum poder sobrehumano, munido apenas de uma câmera oculta e de um disfarce longamente elaborado, o vencedor de 14 prêmios internacionais e eleito o 5º ganês mais influente em 2011, é um dos responsáveis por manter viva a democracia no país africano, segundo o presidente norte-americano Barack Obama.

Site oficial de Anas Aremeyaw Anas (Foto: reprodução)

Assim como Eduardo Faustini, jornalista há 20 anos do Fantástico, da Rede Globo, acredita que todo jornalismo de qualidade é investigativo, Anas parte do pressuposto de que seu trabalho deve servir ao interesse público em primeiro lugar. Além de tornar conhecidas atrocidades que são praticadas com uma frequência assustadora na África, como o tráfico de pessoas e assassinato de crianças, ele tem como missão garantir que os criminosos sejam punidos. “Meu trabalho como jornalista é dar os nomes das pessoas, envergonhá-las e fazer com que sejam presas. Eu sou um híbrido de advogado e jornalista”, explica.

Sua ética de trabalho, no entanto, pode ser considerada um tanto controversa. Para Faustini, vencedor de prêmios como o Esso e Líbero Badaró, o jornalista não deve investigar para punir, mas sim para informar. Foi com essa motivação que ele e André Luiz Azevedo expuseram um esquema entre empresas fornecedoras e funcionários públicos criado para fraudar licitações de saúde pública. “A nossa intenção era mostrar o que já se sabia, mas a televisão nunca conseguira exibir de forma transparente, com áudio e vídeo”, afirma.

Matéria do Fantástico sobre licitações em hospital

A resposta de Anas é bem simples: “Meu jornalismo é produto da minha sociedade. Não faço jornalismo na América, mas sim em Gana, no Quênia. Lá as instituições não são fortes o suficiente para fazer as coisas funcionarem, por isso é preciso dar um passo adiante”. Uma realidade que não parece nada distante da que se vê no Brasil. “Acredito que nós temos que fazer um trabalho de introspecção e nos perguntar quantas vezes em nosso país a atuação de instituições tiveram consequências reais. Meu objetivo é fazer a lei valer”, argumenta.

Responsável por histórias impressionantes como os inúmeros casos de infanticídio no norte de Gana em decorrência da crença de que as crianças são possuídas por espíritos ruins, o “repórter sem rosto” lança mão de seu anonimato para se proteger, mas também como estratégia de investigação: através de disfarces ele se infiltra em locais que, de outra forma, seriam inacessíveis. Apesar de toda a preparação e do zelo pelos protocolos de segurança que considera imprescindíveis para o trabalho investigativo, Anas sabe que as possibilidades não são infinitas. “Existem dois milhões de pessoas em Gana e eu posso te garantir que você não irá encontrar uma foto minha em nenhum lugar. Acredito que ainda poderei fazer isso por algum tempo, mas se virar um risco eu vou passar o bastão.”

O uso de câmeras escondidas também é uma questão que desperta debate. Na Espanha, o recurso foi proibido por ser considerado inconstitucional. Na opinião da jornalista Karla Ramírez, da peruana Panamericana Televisión, é preciso considerar a necessidade de expor os rostos das pessoas envolvidas. Ela produziu uma série de reportagens sobre a má qualidade do ensino em seu país, denunciando esquemas de favorecimento de editoras fornecedoras de livros junto a colégios. “As câmeras ocultas não podem ser utilizadas de maneira indiscriminada. Nesse caso, era a única forma de entrar no mundo da máfia, pois ninguém iria confessar”, defende.

Seja qual for o método empregado ou as tecnologias utilizadas, o fato é que trabalhar infiltrado demanda envolvimento e coragem dos jornalistas. Além de um outro instrumento cada vez mais escasso no cotidiano das redações: o tempo. “Quando se pega uma história é preciso saber que ela não vai acontecer em um mês. É algo que demanda tempo”, conclui Anas.

Veja a reportagem documental de Anas Aremeyaw Anas sobre as “crianças espíritos” em: http://youtu.be/haHGwcPyY64

Texto: Isabela Dias (4° ano ECO/UFRJ)

Serviço:

Showcase: “Trabalhando infiltrado: investigações e questões”, com Anas Aremeyaw Anas (Tiger Eye – Gana), Eduardo Faustini (TV Globo) e Karla Ramírez (Panorama – Pery) – moderador: Jean Philippe Ceppil (TS Temps Présent – Suiça)

Domingo, 13 de outubro de 2013 – 16h

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