A corrupção em compras feitas pelo Estado é pública, afirmou Nancy Vacaflor, do jornal Página Siete (Bolívia). O jornalista participou, nesta segunda (14), da mesa “Investigações sobre compras estatais”, que compôs a programação da Conferência Global de Jornalismo Investigativo, que ocorre desde o último sábado (12) na PUC-Rio, e segue até terça (15).
“Com empenho e paciência é possível encontrar indícios e provas de desvios de conduta nas licitações, nos contratos e nos aditivos”, explicou Vacaflor.
Nancy apresentou uma investigação sobre a compra de 16 barcas e dois rebocadores de uma empresa chinesa pelo governo boliviano. O primeiro estranhamento foi com o valor da compra, US$ 25 milhões, ter sido pago adiantado. O seguinte foi a custo de US$ 3 milhões pelo transporte das barcas até a Bolívia ter sido pago pelo governo, também adiantado, através de um aditivo.
“O estudo das leis e regulamentos de compras do país também é fundamental para conseguir perceber pequenos ou mesmo grandes desvios”, explica Nancy, ao contar que muitas das irregularidades estavam em aditivos feitos de maneira ilegal.
Nancy contou que teve muitas fontes sigilosas, que foram fundamentais para a construção da reportagem. Mas ter o contrato do governo com a empresa chinesa em mãos foi a essência do trabalho.
A reportagem evitou ainda que se gastasse mais US$ 10 milhões em um aditivo que iria ser realizado para que o governo finalmente conseguisse as barcas. Seis funcionários do Ministério do Interior boliviano foram exonerados, e também o presidente da estatal Enobol.
Nancy lembrou que o apoio do veículo foi fundamental. “Publicaram até um editorial comentando os desvios. Isso é muito importante pois demonstra que não estamos sozinhos ao realizar um trabalho tão amplo e com tantas repercussões”, exalta.
A jornalista Lisseth Boon, dos venezuelanos Últimas Notícias e El Mundo, que acompanhou Vacaflor na palestra, expôs uma reportagem investigativa sobre o desvio de leite em pó importado pela Venezuela que era contrabandeado para a Colômbia.
A denúncia inicial foi feita pela Federação dos Produtores de Leite da Colômbia, que informaram a repórter sobre o contrabando. “Seriam 30 mil toneladas desviadas, o equivalente a dois meses de consumo no país”, explica Lisseth.
O leite era comprado da Nova Zelândia, pela estatal La Casa, com condições especiais, como dólar a preço reduzido. Segundo a empresa Fonterra, maior produtora de leite em pó da Nova Zelândia, a Venezuela é um cliente VIP. Os venezuelanos são o quinto maior comprador de leite em pó do mundo e importam 99% de sua necessidade. A importação aumentou 42% entre 2010 e 2011.
“Mas era muito difícil conseguir os dados do governo, pois ele é muito pouco transparente”, explica Lisseth. A solução foi fazer um comparativo e obter dados dos outros países. A empresa Neozelandesa informou ter vendido 90 mil toneladas de leite em pó à Venezuela. No entanto, o país informou ter comprado somente 56 mil toneladas. Aí estavam as quase 30 mil toneladas de leite desviado.
Outro dado importante foi a descoberta de que 22 dos 249 pontos de fiscalização do país estão desativados. A maior parte deles em zonas de fronteira com a Colômbia. Outro dado importante foi que o Ministério da Saúde colombiano informou que havia uma grande quantidade de leite sendo comercializado no país sem registro sanitário.
Informações da Câmara de Comércio venezuelano também indicavam que havia menos leite disponível no país do que o governo comprava. Cruzando dados recebidos dos dois países, da Câmara e a pouca informação disponível na Venezuela, os repórteres chegaram à conclusão de que cerca de 40% do leite adquirido em condições especiais, com dinheiro público, era contrabandeado para a Colômbia.
O repórter Gustavo Villarrubia, do CIPER (Chile) apresentou uma reportagem sobre o superfaturamento de equipamentos para detectar entorpecentes, comprados pelo Ministério do Interior chileno.
O governo havia lançado um plano para cobrir os 975 quilômetros de fronteira com Bolívia e Peru, para evitar a entrada de drogas por esses dois países. Seriam gastos US$ 10 milhões para comprar equipamentos. Um licitação foi aberta e três empresas se candidataram.
Dias antes da concorrência, os jornalistas do CIPER receberam uma carta que trazia o nome da empresa vencedora. Passados alguns dias se confirmou a informação.
O repórter passou a avaliar as propostas das empresas e não havia muita diferença, exceto por um detector de entorpecentes que a vencedora colocou o preço US$ 3 mil acima das outras, com valor final de US$ 24 por equipamento.
Uma das empresas derrotadas informou aos jornalistas que, na verdade, o valor deste equipamento era de US$ 2 mil. Porém, a outra perdedora informou o valor de US$ 24 mil. Mas ela havia ganho uma concorrência meses antes e podia ter superfaturado o valor e estava se defendendo.
Os jornalistas então procuraram a empresa vencedora e tentaram comprar o equipamento. E “em um lance de sorte”, como disse Villarrubia, a empresa cobrou US$ 2 mil. Outra estranheza é que o resultado e a ordem de compra saíram quase que juntos, quando se costuma levar um certo tempo entre u e outro.
Outra informação importante foi um email repassado por uma fonte sigilosa que descrevia o pagamento de 8% de comissão pela licitação a um funcionário do ministério. Em consequência da reportagem, seis funcionários foram exonerados e a Câmara dos Deputados abriu uma investigação sobre o caso.
Texto: Rodrigo Gomes (4º ano, Anhembi Morumbi)
Serviço
Investigações sobre compras estatais
Lisseth Boon (Últimas Noticias), Gustavo Villarrubia (CIPER) e Nancy Vacaflor (Página Siete)
Segunda, 14 de outubro, 11h