Informações públicas podem expor graves casos de corrupção

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A importância do uso de informações públicas em processos de investigação sobre crime organizado e corrupção entre agentes de segurança do Estado deram o tom nas palestras realizadas pelos jornalistas Carlos Martínez, do El Faro (El Salvador), Martha Soto, do El Tiempo (Colômbia) e Mauri König, da Gazeta do Povo (Brasil). Para os repórteres, é possível realizar grandes trabalhos jornalísticos aliando esse tipo de dados a uma atuação de imersão e à aposta em fontes humanas.

Martínez apresentou a experiência de uma reportagem em que denunciava um acordo entre o governo salvadorenho e as Pandillas, grupos criminosos responsáveis por um grande número de mortes no país, para reduzir a taxa de homicídios. “Durante um ano convivemos com os grupos, conversamos com informantes da área de segurança estatal e das Pandillas. e descobrimos que o governo estava fazendo um acerto com elas, sem realmente realizar ações que resolvessem o problema da violência”, explicou.

A investigação resultou em uma série de reportagens publicadas no site do grupo de jornalistas Sala Negra, na página do El Faro na internet, sob o título “Tudo sobre a Trégua”. No processo, Martínez reconstruiu o histórico de formação das Pandillas dentro da onda de imigração da população da América Central para os Estados Unidos, nas décadas de 1970 e1980. E sua transferência para países centro-americanos, após a expulsão de milhares de imigrantes ilegais, nos anos 1990, na administração de George Bush.

Segundo Martínez, a produção da Sala Negra é um esforço para sistematizar o trabalho sobre violência no país, observando-a como um fenômeno regional e que tem muitas subdivisões. “Você precisa ter o tempo e a dedicação de ir até o bairro, sentar, acender um cigarro. Isso durante muito tempo. Mais que falar sobre o tema, o importante é compreender o fenômeno, em todas as suas faces e implicações”, resume.

Martha Soto apresentou uma reportagem em que denunciava a relação entre o narcotráfico e dois generais do exército boliviano. No caso do militar Flávio Buitrago, que foi chefe de segurança do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe, os dados que demonstravam a relação estabelecida entre ele e o líder do tráfico conhecido como El Papero estavam disponíveis em cartórios da cidade. Eram documentos que mostravam sociedades e negócios, e estavam em nome da esposa do militar.

“Tudo o que nós precisamos foram alguns números de documentos. Os dados estavam todos ali, para quem quisesse encontrar”, afirmou Martha.

Em outro caso, o general Maurício Santoyo foi denunciado por traficantes detidos nos Estados Unidos, por facilitar a ação do crime organizado em sequestros e extorsões, fornecendo dados de pessoas. Ele recebeu US$ 5 milhões pelos serviços prestados e estaria sendo investigado pela Justiça americana. No entanto, ela não tinha outra prova além dos informantes, que foram descreditados pela Justiça americana, que afirmou não haver investigação sobre o caso.

Semanas depois o militar foi preso acusado justamente daquilo que ela tinha sido informada. “Isso só demonstra o quanto uma fonte é importante. Você pode não publicar a reportagem por não ter sustentação, mas deve continuar buscando informações”, defendeu.

Mauri Konig trouxe a experiência da série de reportagens Polícia Fora da Lei, em que denunciou casos de corrupção na cúpula da Polícia Civil do Paraná. Mais uma vez a fonte humana foi fundamental. “Embora muito se falasse sobre corrupção na polícia, nós nunca tivemos um documento que permitisse provar isso. Isso mudou em novembro de 2011, quando um policial nos procurou”, explicou.

O policial apresentou documentos que demonstravam a fraude no fundo rotativo da Polícia Civil, em que foram desviados R$ 5 milhões. Essa verba era oficialmente repassada para delegacias que estavam desativadas há muitos anos. Mas ia parar nas contas bancárias de membros da alta cúpula da organização.

Outra denúncia foi a utilização de veículos oficiais da polícia para uso cotidiano dos policiais. Dentre as utilizações ilícitas realizadas estavam uso dos carros para fazer compras, levar os filhos à escola e, até mesmo, a ida a bordéis. Cerca de 30% dos veículos da corporação eram desviados. “Sou movido pela indignação. Quando a polícia diz que não pode resolver todos os casos de assassinatos porque não tem estrutura e nós encontramos uma situação como essa, não dá para ficar quieto”, afirmou Konig.

O repórter e a equipe que atuou com ele nos cinco meses de apuração recebeu inúmeras ameaças após a publicação do trabalho. “Disseram que iam metralhar minha casa, que estavam me caçando, ligaram para a redação para pressionar a parar o trabalho. Tive de sair do país por uns tempos”, contou.

Mesmo assim, para o repórter, o resultado dos trabalhos foi muito importante. “Ocorreu uma mudança grande na polícia do Paraná. Foram realizadas prisões e demissões, a fiscalização se tornou mais efetiva e o governo reestruturou a corporação”, afirmou.

Exceto por Konig, não houve casos de ameaça à vida. Martínez relatou tentativas de cerceamento do trabalho jornalístico. “Impediram nosso acesso aos presídios. Começaram a fuçar a nossa vida buscando informações que pudessem nos desmoralizar. As Pandillas disseram que não podem existir jornalistas como nós, o que nós consideramos ameaça, mas nenhuma ação direta contra nós foi realizada”, concluiu.

Texto: Rodrigo Gomes (4º ano na Universidade Anhembi Morumbi)

Serviço:

Investigações sobre forças de segurança

Com Carlos Martínez (jornal El Faro/Salvador), Marta Sotho (jornal El Tiempo/Colombia), Mauri Konig (jornal Gazeta do Povo/Brasil) – moderador: Christopher Acostal/IPYS (Perú)

Sábado, 12 de outubro de 2013 – 11:00

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