“Dar voz aos esquecidos é dever do jornalismo investigativo”, defende Cabrini

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Uma reportagem só vale a pena se mudar a vida das pessoas. Essa é a convicção de Roberto Cabrini, um dos jornalistas investigativos mais premiados do Brasil, sobre a função social da imprensa. Na palestra “A Casa dos esquecidos: insanidade, abandono e violência” neste sábado (12), na Conferência Global de Jornalismo Investigativo, Cabrini defendeu que todo jornalismo deve ser investigativo, embora reconheça que as redações atuais sejam guiadas pelo automatismo e pela falta de apuração.

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No comando do “Conexão Repórter”, do SBT, Cabrini cita princípios fundamentais do jornalismo. (Foto: Lucas Torres)

“Muitos repórteres saem da redação com uma convicção e querem editar o conteúdo de acordo com o que é conveniente a ele ou à empresa para que trabalhe. Isso não é jornalismo investigativo, é de outro tipo”, afirmou o jornalista, atualmente editor-chefe e apresentador do “Conexão Repórter”, do SBT.

Cabrini usa a experiência de 32 anos de carreira para alertar que o jornalismo não pode perder princípios fundamentais, dos quais diz não abrir mão desde o início como o repórter mais novo da TV Globo, contratado aos 17 anos de idade.

“O jornalismo é como o Judiciário, dependemos de provas”, destacou, orientando que os repórteres façam da apuração uma obsessão e nunca se tornem reféns das fontes em jogos de favores. “Quem e quantos estão dispostos a abrir mão do furo de reportagem e manter sua dignidade intacta?”, questionou o jornalista, que diz jamais ter perdido um processo judicial por conta do cuidado ao apurar.

Cabrini também aponta que o jornalismo investigativo está totalmente ligado ao desenvolvimento de um país. “Pode-se medir o grau de democratização de uma sociedade, medindo a qualidade de seu jornalismo investigativo”, destacou o jornalista, que afirma ter no currículo mais de 3 mil reportagens e 20 documentários.

Entre elas, estão coberturas como a ascensão do Taliban ao poder no Afeganistão , mutilações de Saddam Hussein a soldados do exército iraquiano, além da investigação – que dá nome à palestra – de um hospital psiquiátrico, em Sorocaba (SP), que submetia pacientes a torturas semelhantes às dos campos de concentração.

Entretanto, Cabrini ressalta que nem sempre a complexidade dos trabalhos é o que importa.

“Quando você dá voz a esquecidos, como os vendedores de bala nos faróis – aquelas pessoas que todos veem, mas ninguém enxerga -, você ganha o jogo”, explicou, afirmando não ter uma reportagem favorita. “A melhor matéria é sempre a próxima.”

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Presidente da Abraji aborda peso do risco de vida no jornalismo investigativo. (Foto: Lucas Torres)

O risco a que repórteres investigativos são submetidos diariamente também foi abordado na palestra sob mediação do presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Moreira. O Brasil, por exemplo, esteve entre os cinco países com mais mortes de jornalistas em ação, segundo ranking mundial do Internacional News Safety Institute (INSI) elaborado com dados de janeiro a junho de 2013.

“Denunciados nunca mandam flores. É preciso ter cuidado, mas o jornalista não pode desistir da investigação”, disse Cabrini, contando que ficou em cativeiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) por três dias e que esteve à beira de uma execução sob a mira dos talibãs afegãos. “Sempre andem com camisas da seleção brasileira na bolsa. Foi o que salvou minha vida e me levou da morte a um banquete junto com eles”, recordou com bom humor.

Apesar de o registro de casos de violência em ambientes aterrorizantes fazer parte dos desafios da profissão, Cabrini lembra que nunca deixaria de intervir em defesa da vida em troca de um material que pudesse lhe render premiações.

“A condição de ser humano é mais importante. Depois, você é o repórter. A decência e a dignidade vêm antes de tudo. Estamos fazendo matérias não sobre máquinas, mas sobre seres humanos.”

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Cabrini rechaça sensacionalismo e diz que a vida humana é a prioridade. (Foto: Lucas Torres)

A mensagem deixada por Cabrini se opõe à crença apocalíptica de que o jornalismo está em crise. Apesar dos 53 anos de idade, o repórter ainda carrega consigo a certeza de que o jornalismo é capaz de mudar o mundo e afirma que essa será a responsabilidade dos jovens em formação.

“Ninguém muda o mundo sozinho. Se você muda a esquina da sua rua, está ajudando a mudar a realidade”, disse. “Cabe a vocês escolherem se acomodar com a realidade de um país com poucos donos ou se comprometerem com a mudança. O futuro do jornalismo depende de vocês.”

 

 

Texto: Lucas Torres (3º ano ECO/UFRJ)

Serviço:

A casa dos esquecidos: insanidade, abandono e violência

Com Roberto Cabrini (SBT/Brasil) – moderador: Marcelo Moreira (Abraji/Brasil)

 

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